quarta-feira, 11 de julho de 2007

BRIGA DE FOICE - Capítulos 1, 2 e 3

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1
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A lua cheia, fazia muito tempo que ela não ficava daquele jeito. Cobre todo o céu, apesar das nuvens escuras de chuva, o céu está claro. Daniel caminha por aquelas ruas, cheias de silêncio, vazia de almas, alguns marginais em busca de dinheiro. Começa uma garoa fina. É inverno, chove sempre do mesmo jeito naquela época do ano. Ele arruma a jaqueta para se proteger do vento úmido. Aumenta o passo, quer chegar mais rápido possível em casa. Está próximo de sua rua, faltam dois quarteirões; já reconhece alguns andantes. Eles são estranhos, mas conhecidos. São rostos comuns, tragédias idênticas. Sonhos puramente desperdiçados.
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Fica na frente ao portão de sua casa, parado. Sabe bem o que vai ouvir daqui alguns minutos. Entra em passos lentos, silenciosos. Procura a chave da porta, entra pela cozinha. Pega um copo de água. Ainda sente sede e um gosto amargo na boca, a cabeça zonza. Sentou-se no sofá da sala, estava muito embriagado para tentar o sono. Bebe mais um gole de água, vagarosamente. Cecília não acorda, ele esperava por isso, que ela continuasse dormindo. Levanta-se, toma um banho, troca de roupa. Deita-se na cama, sem que sua companheira perceba sua presença. Cecília acorda:
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"Pensei que não voltaria mais"
"Andei muito. Quis mesmo não encontrar o caminho de volta"
"Deita aqui no meu colo"
"Preciso fugir"
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Daniel levanta da cama, estava se sentindo mal. Também não queria continuar aquela conversa. Sua cabeça não pára de rodar. Teve vontade de vomitar, de jogar para fora tudo que estava incomodando. A briga, o beijo, os últimos acontecimentos. Ele senta novamente no sofá, a luz está apagada. Levou o cobertor, o frio estava cada vez pior naquela noite. A chuva também tinha aumentado. Cecília levanta logo em seguida, sabia como ele estava sentindo, mesmo ignorando todos os motivos.
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"Quer que eu prepare um café?"
"Sabe que eu odeio café"
"Ajuda recuperar as forças. Essa ressaca"
"Não. Mesmo assim, obrigado. Quero apenas ficar em silêncio"
"Amanhã volto para minha casa"
"Não se preocupe. Sabe que você não é o problema"
"Vou deitar na cama, aqui está frio. Quer vir comigo?"
"Já disse que prefiro ficar sozinho"
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Cecília volta para a cama. Sabia que era perda de tempo continuar aquela conversa. Daniel se ajeita no sofá, tenta dormir. o Sol está fraco, são seis horas da manhã. Ele dorme, seu sono não é profundo. Cecília acorda, ela tem que trabalhar. Passa pela sala, vê Daniel dormindo. Cobre Daniel. Faz o café, come um pedaço de pão amanhecido. Lava tudo antes que o cheiro incomodasse Daniel. Ele sempre achou o cheiro do café insuportável, mas aprendera a conviver com ele. Ela beija Daniel, que se mexe mas não acorda. Ela sai pela porta da sala sem fazer nenhum barulho.
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Daniel acorda meio dia. Ele se desespera ao encontrar a casa vazia, lembrou-se que era dia do plantão de Cecília. Ela trabalhava como enfermeira, tinha esses horários conturbados. Ele levanta, bebe água. Faz um chá de camomila. Não consegue comer nada, seu estômago não suporta nada sólido. Fala com Fernando pelo telefone. Vai trocar de roupa. Precisa encontrá-lo ainda hoje. Seu futuro era incerto, tinha quase certeza que não trabalharia mais com Maciel, seria demitido. Fernando era sua esperança. O tempo estava melhor, ainda frio. Pelo menos havia parado de chover. Ele chega bem na hora marcada para falar com Fernando, ele ainda não havia chegado. O certo é que as notícias não seriam boas para Daniel.
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2
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Longe dali, dias antes. Uma menina é agarrada perto do Colégio Franco Aguiar. Ela tem treze anos. Consegue fugir antes que os malditos a amarrassem. Aquele lugar era perigoso demais para se andar sozinho. Ela sabia disso, mesmo assim insistia. Camargo queria pegar os delinqüentes, não sabia como. Abusavam das crianças, roubavam casas, dinheiro dos pedestres, rádio dos automóveis; pior ainda, traficavam. Bebiam e cantavam a noite inteira. Camargo percebeu que poderia prender aqueles sujeitos. Jurou que mataria pelo menos um deles, com um tiro na cabeça. Um tiro certeiro na cabeça há de fazer um serviço muito grande para a humanidade.
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Camargo investiga os sujeitos há um bom tempo, veste-se de vendedor de balas. Parece um disfarce óbvio, portanto, perfeito. Ambulantes mudam a todo instante, são sempre figuras anônimas. Camargo parecia apenas mais um deles se apoderando de um espaço público onde pudesse vender suas bugigangas. Estava prestes a prender os sujeitos, sabia os culpados de tudo que estava acontecendo na região, mas não tinha provas. Malditas provas que fazem a justiça ser mais demorada. Vigiava os rapazes noite e dia. E mesmo assim não conseguia nada para prender os caras. Achava que sua investigação estava sendo inútil. Num dia desses um senhor se aproxima de Camargo, eles já haviam conversando antes, assim que Camargo havia conseguido o disfarce:
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"Todos sabemos que você é polícia"
"Como assim?"
"Algum companheiro seu disse"
"Não sou policial"
"Pode ficar com o disfarce. Não vai conseguir pegar ninguém"
"Eu sei quem eu quero pegar"
"Eu sei disso. Acaba logo com esses imundos"
"Preciso ter certeza"
"Mais certeza?"
"Não tenho provas"
"Não precisa. Faça o que acha certo. Esses caras estão ferrando todo mundo. Quantas crianças começaram a se drogar depois que esses desgraçados chegaram aqui?"
"Eu sei, mas preciso de provas"
"As meninas, algumas trocando sexo por um punhado de maconha. É um absurdo, meu amigo"
"Marinho, Topeira e Apolinário"
"Esses. Pode botar fé"
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Camargo armou um plano para pegar os sujeitos. Era impossível ficar esperando uma prova, eles sabiam que policiais disfarçados estavam de vigilância. Chamou dois amigos, um deles um ex-policial, seu nome era Daniel. Pegariam os sujeitos. Chegaram de madrugada. Não se ouve nenhum barulho por toda redondeza. Invadem o terreno onde os bandidos estavam escondidos. Uma moto estava estacionada, duas barracas armadas. Escutam a voz de uma mulher, na verdade eram três mulheres. Os marginais estão conversando, bebem vinho. Uma fogueira espanta o frio daquela noite. Marinho está com uma garota no colo, era a mais velhas das três. Devia ter uns vinte e poucos anos. Os outros dois estavam acompanhados, mas as mulheres estavam somente abraçadas. Camargo e os dois capangas se afastam, precisam reformular o plano.
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"Como eu disse: cada um com seu fito"
"E as mulheres?"
"Elas vão sair correndo, tenho certeza. Atirem na cabeça dos homens"
"E se alguma coisa der errado?"
"Matem todos"
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Camargo se posicionou, assim como os outros atiradores. Estavam esperando o comando, a mão esquerda baixar era o sinal. Levanta a mão esquerda, todos estão na mira. De repente uma criança sai da cabana, Camargo suspende o ataque.
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3
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Quem era aquela criança? Ela se aproxima da mulher que estava com Marinho. A criança gruda no pescoço dele, ele retribui o carinho. A mulher leva o garoto para dentro da barraca, Marinho sai logo em seguida atrás deles, antes se despede dos comparsas. Entra na barraca, dormem. Os outros dois continuam bebendo, o mais alto pega a moto e sai em disparada levando uma das meninas na garupa. O outro continua bebendo, conversando com a garota. Eles estão perto da fogueira. Começam a transar. Camargo e os ajudantes se afastam. Não há nada que possam fazer.
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"O que faremos agora?" – Daniel pergunta ao Camargo.
"Nada. Vamos esperar outro dia para fazer o serviço"
"Você não disse que tinha mulheres e crianças"
"Eu também não sabia, porra!"
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* * *
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Fernando se ajeita na cadeira. Ele está sofrendo com o maldito problema com hemorróidas. Daniel abre a porta do escritório, Fernando pede para ele entrar e se sentar. Os dois se cumprimentam formalmente, apesar de serem amigos. Os dois trabalharam juntos na Boate Danced. Daniel pega a foto que está na mesa de Fernando, pergunta como está Dalila. Fernando apenas diz com a cabeça que está tudo bem. Fernando se levanta, está incomodado na cadeira. Pega uma garrafa térmica, enche de café uma xícara azul marinho que está em uma das mesas. Volta ao mesmo lugar onde estava sentado quando Daniel entrou.
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"Maciel não precisa mais de você"
"Sabia! Ontem eu fiquei pensando na merda que eu tinha feito!"
"Você deu um soco no filho dele!"
"Não sabia. Juro que não sabia quem era aquele desgraçado"
"Eu sei. Mas sabe que Maciel é foda"
"Porra! Trabalho aqui há mais de três meses. Nunca dei nenhum problema. Dei?"
"Pois é. Seu único problema aqui foi quebrar o nariz do sujeito que Maciel mais ama nesse mundo"
"Não tem alguma coisa para mim? Sabe que estou precisando de dinheiro"
"Contratar ex-policial é uma merda. Sabe o que pensam de expulsos, não?"
"Me arruma alguma coisa, preciso de dinheiro"
"Vou ver" – Fernando tira um pacote da gaveta – "Tome, seu pagamento"
"Quanto?"
"Dois mil"
"Dois mil? Ele disse que pagaria dois mil e quinhentos!"
"Quinhentos para arrumar a cara do filho da puta que você arrebentou"
"Esse cara tem dinheiro prá caramba! Não precisa me roubar quinhentos paus!!"
"Fique contente dele não querer te matar"
"Advogado, banqueiros, deputados, policiais.... um monte de gente que vem aqui gastar dinheiro"
"Não quero saber dos detalhes"
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Daniel pega o pacote da mesa de Fernando. Era inútil justificar com ele, Maciel sempre faz o que bem entende. Desceu as escadas correndo, não queria encontrar o ex-chefe. Sua situação poderia se complicar. Maciel sempre chegava mais cedo, antes das lutas começarem. Fernando estava certo, Daniel pensou; por sorte ele ainda estava vivo, e tinha recebido algum dinheiro. Daniel quebrou o nariz do filho de Maciel, um soco bem dado. Ele ficou se debatendo no chão enquanto Alvarenga e Camargo tiravam Daniel da briga.
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"Está louco! Acertou o Toninho"
"Quem é esse cara?"
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Daniel saiu junto com os outros dois amigos, entraram num carro e fugiram. Maciel pensou em matar Daniel com as próprias mãos, mas depois desistiu da idéia.
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.(Texto registrado. Reprodução parcial permitida desde que fonte seja citada).
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(Continua)

Um comentário:

Anônimo disse...

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