terça-feira, 7 de agosto de 2007

Briga de Foice (10,11 e 12)

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10
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Local estava cheio. Dia de maior número de apostas. Três horas da manhã. Touro com alguns curativos no rosto aguardava seu oponente entrar no ringue. Touro era um sujeito de quase dois metros, parecia pesar algumas toneladas. Nome verdadeiro era Francisco, nascido no interior do Ceará. Tinha vinte e nove anos, dois filhos oficiais; alguma dúzia de bastardos. Está de pé, esperando o começo da terceira luta.
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Um outro homem entra em cena. Não mais forte que Touro. Seu nome era Cobra Vermelha. Esses nomes quase sempre eram batizados no momento da primeira luta. Sempre com nome de animais, ficava mais fácil a identificação no momento das apostas. Maciel pensava em tudo. Serpente, Abutre, Jacaré e Cavalo. Cobra era mais baixo que Touro, mas aquele estava descansado. Era uma vantagem. Ele entre no ringue, os aplausos são maiores para Cobra, evidentemente por causa das apostas. Ninguém se arriscaria em Touro, na sua terceira luta da noite. Era quase impossível sair vivo.
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Em casos especiais, o próprio Maciel quem fazia as apresentações. Aquela noite era especial. Se Touro ganhasse, pegaria uma enorme quantidade em dinheiro, além disso estaria para sempre no prestígio dos gladiadores modernos. Se Cobra fizesse seu papel, seria apenas obrigação: Touro estava cansado antes da luta começar. Maciel queria que Touro ganhasse, nem pensava no dinheiro que teria que pagar; mas na publicidade que a luta teria nos próximos dias.
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Cobra entra primeiro, era sempre assim. O desafiador era apresentado em primeiro lugar. Toca o hino nacional, Maciel era extremamente patriota. Alguns cantos, outros estão eufóricos demais para entender o que está acontecendo. Touro logo em seguida, o palco parece sentir o peso do lutador. Maciel sorri, está também emocionado. Por instantes esqueceu do seu desafeto mirrado: Daniel. Toninho está na tributa vendo a luta, todo enfaixado.
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A luta começa. Touro se joga violentamente contra Cobra, os dois caem no chão. O público se levanta, a briga vai ser boa. Cobra tenta acertar uma cotovelada no pescoço de Touro, ele não sente a pancada. Touro tenta quebrar o braço de Cobra, se ouve um estralo, Cobra não sente nada. Aparentemente o braço ainda estava inteiro, os dois levantam, se afastam. Touro corre em direção ao Cobra; Cobra se defende com um soco no olho; esse tipo de golpe era pouco comum. Touro sente, parece que não está enxergando do olho esquerdo, sangue escorre pelo seu rosto. Touro não se intimida, pega Cobra pela cintura, tentar quebrar suas costelas.
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Toninho se levanta. Pensa em como seria bom uma luta daquele jeito com Daniel. Deixaria seu inimigo cego. Quer coisa melhor do que deixar o inimigo cego? Ele bebe um gole de cachaça, senta novamente. As duas mulheres que fazem companhia a ele fecham os olhos. Mesmo naquele mundo caótico, era impossível achar a violência uma coisa natural.
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Cobra consegue quebrar o joelho de Touro, um golpe. Touro cai no chão. Cobra precisa terminar o serviço, Touro ainda está agonizando no chão. Cobra se aproxima, não percebe que Touro ainda tem forças, ainda está vivo. Touro pega Cobra com umas das mãos, acerta uma mordida certeira no pescoço de Cobra. Os dois caem.
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De repente a luta pára. Cobra deitado sobre Touro. Os dois não se mexem. Um sangue escorre por debaixo de Touro, escorre pela sua bochecha, lambuzando a mordida. Touro não larga pescoço de Cobra, continuam imóveis. Um silêncio enorme, todos estão esperando o final da luta. Maciel abre a cela, ele vai dizer se está encerrado. Se aproxima dos dois lutadores, olha bem para ambos. Pergunta se alguém está vivo. Um som baixo sai daquele amontoado de carne, ossos e sangue.
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“Na minha terra matamos cobra e mostramos o pau!!”
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Todos gritam! Touro vence a luta. Perdem dinheiro com as apostas, mesmo assim ficam eufóricos. Nascia naquele momento um novo herói para Maciel. Um novo símbolo para o Local.
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11
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Daniel acorda assustado, sente um calafrio. Vê Luiza deitada no sofá. São cinco horas da manhã. A proposta de Camargo não sai de sua cabeça. Teria coragem de roubar Maciel? Era impossível, conhecia bem como tudo funcionava. Sim! Tinha falhas, todos os sistemas de segurança possuem falhas. Onde? Levanta-se, precisava pensar nas falhas. Não, mil vezes não. Era perfeito. Maciel preparou tudo, duas pessoas sabiam os códigos, de onde saia o dinheiro. Duas pessoas: Alvarenga e Camilo. Camilo filho adotivo de Maciel, possivelmente quem tomaria conta dos negócios quando o pai morresse.
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Senta na cadeira da sala, ascende a luz que fica no centro da mesa, bem no alto. Não queria acordar Luiza. Pega papel, lápis, faz desenhos, cálculos, cronômetro na mão. Luiza se mexe no sofá, mas não acorda. O sol aparece, são seis e meia. O relógio da parede da sala continua parado, meio dia e doze. Podia ser meia noite e doze. Tudo é relativo, a segurança; é relativa. Que bobagem ele está pensando? Relativo? Nada de relativo. Todos os processos bem pensados por Maciel. Não há falhas! Impossível não haver um erro sequer. Precisa pensar, precisa se livrar de Henrique.
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Luiza acorda, se embrulha no cobertor. Ainda está frio aqueles dias. Ela se aproxima de Daniel, não quer perguntar nada, sabe que ele não vai responder uma pergunta sequer. Ela abraça Daniel, diz que ainda está com sono. Vai para o quarto. Ele concorda, diz que precisa pensar numa coisa, tinha perdido o sono. Luiza se sentia só quando estava ao lado de Daniel, mesmo assim o amava. Daniel gostava de Cecília, apesar de não ter tempo para o que ele chamava de futilidade.
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Daniel percebe uma coisa, um ponto mínimo no sistema de segurança de Maciel. Podia colocar aquilo no papel, mostrar para Camargo. Ele relaxa, consegue perceber que o plano pode dar certo. Vai para o quarto, Luiza dorme. Ele prepara suas coisas, duas malas. Não vai embora agora, mas quer deixar suas coisas prontas. Ele deita ao lado de Luiza, abraça. Dormem.
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Camargo se encontra com Camilo, o filho adotivo de Maciel. Os dois estão no bar, bebendo. Soraia também está no bar, mas ausente no momento que eles conversam. Um lugar sujo, cheio de mulheres horríveis. Cerveja quente, não tinha comida. Camilo dispensa uma garota que se aproxima, ele não estava querendo farra nenhuma, apenas conversar sobre negócios. Camargo bebe um copo de pinga, precisa de coragem. Aquela conversa era essencial para que seu plano fosse um sucesso.
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“Pensou no que eu disse?” – Camargo pergunta.
“Sim” – Camilo coça a cabeça. Parece ainda ter dúvidas.
“Eu disse para você perceber as coisas. Não quero o seu mal”
“Estou confuso”
“Está na cara que seu irmão vai te fuder!”
“Toninho nunca gostou de mim”
“Todo mundo sabe, só o Maciel não quer acreditar”
“Toninho não me mataria”
“Porra! Aquele cara é louco. Quando seu pai não estiver mais conosco, e Deus me perdoe falar uma coisa dessas, seu irmão vai acabar com você”
“Eu trabalho duro naquele lugar!”
“Eu sei. É o cara preparado!”
“Meu pai está doente, sabe disso!”
“Sei, sei... por isso acho que devemos agir primeiro”
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Soraia se aproxima. Camargo apresenta como uma amiga. Ela senta ao lado de Camilo. Soraia está com uma calça apertadíssima, sem sutiã; um perfume bom. Seu corpo permite esse atrevimento. Camilo fica interessado na garota. Amor é coisa excepcional na vida de um homem. Camargo arruma uma desculpa qualquer, sai da mesa. Os dois continuam conversam.
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12
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Luiza acorda Daniel, ela tinha horário marcado com Henrique, fariam uma viagem ao Rio de Janeiro. Eles levantam, tomam banho juntos. No banheiro Luiza diz que Henrique não quis receber o valor parcial, queria todo dinheiro daqui dez dias. Para Daniel era tempo suficiente. Luiza diz que escondeu o pacote no guarda-roupa. Ela sai do banho, ele continua debaixo do chuveiro. Ela pega um táxi direto para o aeroporto, Henrique estava comendo alguma coisa na lanchonete.
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Daniel pega o pacote de dinheiro. Coloca dentro de uma sacola, o dinheiro estava bem embrulhado. Pega um ônibus, leva a sacola. Depois dos acontecimentos com Toninho nunca mais quis andar de moto. Chega numa casa antiga, duas crianças brincam no jardim. Era o primeiro dia de Sol forte naquele inverno. Uma menina loirinha, um menino moreno; olhos verdes e cabelos encaracolados. Ele bate palmas, as crianças correm para dentro da casa. Ele grita o nome de Amanda, ninguém atende. Tenta mais uma vez. Aparece uma mulher, vestido simples; devia estar fazendo alguma coisa na cozinha, ela está com um avental sujo.
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“Queria saber como estavam as coisas” – Daniel começa.
“Estão bem. Lucas perguntou de você”
“Eu vi que ele estava brincando na grama”
“Ele não te reconhece, não é mesmo?”
“Não”
“Está bem. Começou na escola ontem. Ficou bonito de uniforme”
“Eu trouxe um dinheiro”
“Não precisamos de dinheiro”
“Para comprar alguma coisa para ele. Um presente bem bonito”
“Não sabe o que seu filho gosta?”
“Desculpe”
“Deve se desculpar com ele”
“Pretendo um dia fazer isso”
“Vai se arrepender de ter abandonado tudo. Não por mim, sei que nunca me amou de verdade. Mas por ele”
“Quem é a outra menina?”
“Filha de uma vizinha. Os dois dizem que estão namorando”
“Ele só tem quatro anos!”
“Mulherengo. Puxou você”
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Daniel entrega o pacote para Amanda. Ela, mesmo contrariada, pega o embrulho e coloca embaixo do braço. Ela sorri, diz que não pode chamá-lo para um café, pois ele não gosta. Diz que está terminando o bolo de aniversário do filho. Com aquele dinheiro compraria roupas e alguns brinquedos para Lucas. Ele fica satisfeito, pensa ter feito todas obrigações de pai. Lucas olha pela fresta da porta, está com vergonha. Daniel vai embora, sentido uma tristeza enorme. Um sentimento de culpa que não é ignorado nem por uma criança.
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Camilo e Soraia se beijam. Ele sente uma terrível sensação de bem. Sente mais do que isso, atração. Eles levantam da mesa, Camilo carrega Soraia para longe daquele lugar. Camargo já tinha ido embora. Eles vão para casa de Camilo, ele não morava com Maciel. Uma casa enorme, piscina, salão de jogos e seguranças por todos os lados. Entram no quarto, Camilo deita na cama. Soraia fica completamente nua na sua frente.
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“Gosta de tatuagens?” – Camilo pergunta ao ver uma enorme serpente nas costas de Soraia.
“Gosto de pinto!” – Responde mais uma vez sem pudores.
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Os seguranças se divertem com as cenas, câmeras cobriam toda casa, inclusive o quarto de Camilo. Camilo estava embriagado, esqueceu de dizer para os comandados que queria privacidade. As lentes nunca foram fechadas naquela casa, mesmo quando era uma ordem dele.
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