segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Briga de Foice (13,14 e 15)

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13
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Daniel chega em casa, Luiza já tinha saído. Ele liga para Camargo, resolve aceitar a proposta. Camargo de alguma forma sabia a resposta. Principalmente por saber que Henrique não prorrogaria mais o prazo para pagamento da dívida. Eles combinam novo encontro, inclusive apresentaria outras pessoas do plano. Daniel vai até o quarto, pega as malas. Chama um táxi. Seu destino seria a casa de Cecília. Não liga para avisar que está chegando, queria fazer uma surpresa.
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Cecília estava de saída quando viu Daniel chegando. Realmente era uma surpresa enorme. Ele desce do carro, pega as malas. Ela não entende direito o que está acontecendo. Ele deixa as malas na porta do prédio, ela observa sem perguntar nada.
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“Preciso de um favor” – Daniel começa.
“E essas malas?”
“Preciso que me encontre no Uruguai daqui cinco dias”
“Uruguai? Como?”
“Vou contar com mais detalhes”
“Como uma viagem assim, tão rápido?
“Negócios”
“Nunca me diz sobre os seus negócios”
“Quero dizer agora”
“Estou atrasada”
“Eu espero você chegar”
“Não pode ficar aqui”
“Sua mãe?””
“Sim, ela não gosta de você”
“Espero em outro lugar”
“Não quero ir para o Uruguai”
“Você me ama?”
“Claro, sempre amei você”
“Então, temos que fugir do Brasil”
“Não, espere um pouco. O que você faz? Aquela história de bico, de segurança... o que anda aprontando?”
“Eu já disse, vou contar tudo com detalhes, desde o início”
“Não. Não vou para o Uruguai”
“Podemos ir para qualquer lugar. Prefere Argentina?”
“Não. Nenhum lugar. Quero ficar aqui”
“Impossível. Será impossível”
“Nem quero saber qual é o rolo que você se meteu”
“Tudo bem. Não conto”
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Daniel fica em silêncio, era um absurdo a proposta que ele estava fazendo. Sabia que Cecília não aceitaria viajar com ele para outro país. Mesmo sabendo, tentou. Deixou as malas no chão, caminhou lentamente; assimilando o golpe que acabara de receber. Cecília ficou olhando seu amor indo embora, as malas no chão. As malas pouco importavam agora; ninguém percebeu que naquele momento elas estavam largadas, sem dono. Daniel some, vira a esquina. Cecília não acredita no que está acontecendo.
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Estava decido que Daniel fugiria junto com os outros membros da quadrilha. Conhecia apenas Soraia e Camargo. Tinha um outro sujeito com o nome de Murilo, viciado em jogo. Devia muito dinheiro para Henrique. A esposa de Murilo morreu com um tiro na cabeça. Dizem que capangas de Maciel armaram tudo. Murilo fez apostas no Local, chegou a ganhar dinheiro; mas errou quando apostou no Elefante Branco. Outra mulher, com o nome de Daiane. Daniel não sabia nada sobre Daiane.
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Ele chega no esconderijo, dali sairiam apenas para pegar o dinheiro de Maciel. Seriam dois dias confinados, simulando o plano. Daniel precisava treinar um pouco mais com sua arma, quer dizer; a arma que pegou de Toninho. Daniel, Murilo e Camargo tinham chegado antes de escurecer. Os outros chegariam mais tarde.
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14
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Maciel chama Alvarenga. Quer conversar sobre Daniel. Tinha mudado de idéia, não aguentava olhar para Toninho sem pensar em vingança. Alvarenga estava de saída quando recebeu o recado. Ele entra na sala, Maciel parece bravo. Toninho está sentado na mesa do pai. Alvarenga leva um susto quando vê o filho de Maciel na cadeira de comando. Maciel sorri, pergunta se Alvarenga está surpreso. Alvarenga não diz nada, nem demonstra insatisfação.
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Toninho se levanta da cadeira, diz que acaba de assumir os negócios. Alvarenga fica mais surpreso ainda. Toninho diz que muitas coisas vão mudar naquele lugar. A primeira coisa era que as ordens seriam dadas por ele, o pai estava se aposentando. Maciel ouve atentamente, parece ter orgulho do filho. Alvarenga quer perguntar sobre Camilo, que sempre tomou conta dos negócios da família. Não perguntou, tinha medo da resposta.
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“Quero que traga Daniel até aqui. Quero que ele venha inteiro. Vivinho” – Era essa a primeira ordem de Toninho.
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Alvarenga tinha entendido perfeitamente a missão, ele sairia do galpão. Sabia onde Daniel estava escondido, não seria difícil carregá-lo para Toninho. Mas não era isso exatamente o que queria fazer. Encontra-se no caminho com Daiane. Vão juntos para o encontro com Camargo. Alvarenga era a outra pessoa da quadrilha, e dispensava qualquer apresentação para Daniel.
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Um bolo enorme do Mickey. Lucas se divertia muito com aquele desenho animado. Era sua única diversão quando sua mãe estava ocupada. Amanda chamou alguns vizinhos, tinha ao todo umas quinze pessoas na festa de aniversário do filho de Daniel. Cantavam, dançavam e brincavam. Um rapaz que se dizia amigo de Lucas, e que futuramente viria a ser seu padrasto, trouxe uma bicicleta de presente. Foi o que mais deixou Lucas feliz. Todos estavam se divertindo muito.
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A mãe de Amanda sabe que Daniel esteve de manhã na casa, ficou sabendo por uma vizinha que adorava uma fofoca (aliás, não estava na festa pois não havia sido convidada). As duas conversam, Amanda não consegue mentir o fato; havia muita bebida e comida que não podiam ter vindo da mesada, muito menos do salário de empregada doméstica. Amanda sempre ganhou um bom dinheiro, mas as despesas só foram aumentando depois do nascimento do filho. Ele estudava numa escola privada, pagava plano de saúde. Tinha aberto até uma poupança para o garoto.
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“Espero que aquele safado não tenha vindo aqui fazer sua cabeça”
“Ele só veio trazer o presente do Lucas”
“Que presente?”
“Trouxe um dinheiro. Coloquei uma parte na poupança. Comprei roubas. Comprei um tênis novo”
“Dinheiro amardiçoado”
“Não tem nenhuma maldição nisso”
“Amardiçoado, sim”
“Não é amaldiçoado”
“De onde veio o dinheiro?”
“Não sei. Não perguntei”
“Pode ser roubado”
“Ele não é um ladrão”
“Quem garante?”
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Lucas assopra a vela de aniversário, corta o bolo. Não diz claramente, nem sequer usa a lógica para o pedido; mas em resumo sabemos que ele queria encontrar o pai pelo menos mais uma vez na vida.
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15
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Todos estão sentados em volta de uma enorme mesa de madeira. Por enquanto não falam nada sobre o roubo que estão prestes a fazer. Faltam ainda três integrantes, afirma Camargo. Alvarenga e Daiane chegam em seguida, para surpresa de Daniel. Camargo diz que ainda falta uma pessoa, que chegará em breve. Daniel, Camargo, Murilo, Alvarenga, Soraia e Daiane; estão apreensivos, calados. Querem logo ver o que Camargo havia preparado para o golpe.
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Uma outra pessoa chega, todos estão prestando atenção numa piada que Murilo está contando. Ninguém percebe Camilo entrando. Murilo pára de contar a piada quando vê aquele sujeito magro, com olhar assustado. Fora Camargo, Alvarenga e Soraia; ninguém mais conhecia Camilo. Daniel já tinha escutado o nome quando trabalhava no Local, mas nunca imaginaria que ali estava o filho adotivo de Maciel. Ele senta na única cadeira vazia. Todos estão em silêncio.
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“Podemos começar!” – Camargo abrindo uma enorme cartolina na mesa de madeira.
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Toninho quer falar com Maciel sobre a possibilidade de mandar Alvarenga embora. Ele não sente confiança no capataz que trabalha com o pai há mais de dez anos. “Ele é sujo!”. Era um assunto delicado para Maciel, principalmente pela paixão que sentia pelo sujeito. Toninho quer uma arma nova, diz que não pode tomar conta de um lugar cheio de gente podre sem nenhuma proteção. Maciel é contra, diz que todos ali estão para se divertir.
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Uma moça alta entra na sala. É a nova namorada de Toninho. Recém descoberta no canfudó de uma cidade do Rio Grande do Sul. Maciel sai da sala. As apostas continuam, as lutas também. Touro lutaria no sábado, era um grande acontecimento. Maciel iria fazer sua despedida nesse dia, não mais cuidaria dos negócios e morreria feliz em alguma praia do litoral nordestino. Chamaria Alvarenga, para a felicidade ser completa, era preciso que Alvarenga fosse com ele.
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Na sala, Toninho diz para Gisele que precisa de uma coroa. Gisele percebe que Toninho está surtando, mesmo assim estimula a loucura do namorado.
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“Eu preciso de um vestido novo! Quero também um bobo da corte”
“Bobo tem um monte lá fora!”
“Quero o Daniel. Aquele que você diz que é seu inimigo”
“Vou quebrar a perna daquele desgraçado! Já imaginou ele andando nessa sala sem uma perna!”
“Quero um bobo, não um saci”
“Então vou arrancar a língua do sujeito”
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Gisele senta no colo de Toninho, ele se diverte com a mulher. Toninho nunca pensa estar apaixonado, mas acaba agindo como se estivesse. Gisele em poucos meses de namoro já dominava todos os impulsos dele, fazendo dele o verdadeiro bobo. Gisele gastou em duas semanas dinheiro que outras namoradas de Toninho levaram anos. Ele estava feliz, isso é que importava; pensa Maciel.
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Cecília carrega as malas para dentro do apartamento. Estava atrasada mas não podia deixar toda roupa de Daniel jogada na calçada. A mãe de Cecília não entende o que está acontecendo, mas acaba aceitando a desculpa da filha que diz que uma amiga ficará no apartamento por alguns dias. Ela abre as malas, ajeita as roupas; pega um retrato em que mostra Daniel e Cecília juntos, numa viagem que fizeram para Florianópolis. Chora, não sabe o que fazer agora; com Daniel fugindo de um bandido perigoso. Armando um roubo. Quem era o homem por quem ela se apaixonou perdidamente? Quem era aquele sujeito que há mais de cinco anos roubava-lhe a oportunidade de ser feliz?
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