quarta-feira, 27 de junho de 2007

O MENOR DOS ENCANTOS - Capítulos 12,13 e 14

.
.
.

12
.
A garota demonstrou claramente que ficava desconfortável diante de pessoas como eu, que ela considerava iniciante. Ela se levantou da cama, não parecia exatamente querer fazer alguma coisa comigo. Eu me senti frustrado, um pouco assustado. Afinal o que eu deveria fazer agora? Fiquei observando os movimentos da mulher. Ela foi até a porta, abriu e saiu. Fiquei alguns minutos parado, sem saber como agir. Ela volta, fecha a porta. Novamente fica ao meu lado na cama, eu continuo em silêncio.
.
"Eu disse para o Homero não me arrumar virgens"
"Não sabia"
"Eu fico constrangida. Sei que lembrará desse momento por toda sua vida"
"Nunca mais vou me lembrar de você, prometo"
"Um menino tão bunitinho" - Eu levanto, tiro minhas calças.
"Vamos começar logo com isso?!"
"Epâ! Calma, garoto"
"Já tive calma o suficiente. Sabe o quê é ser o único virgem da turma?"
"Todo mundo passa por isso"
"Termine o seu serviço"
"Preciso que você me responda algumas coisas"
"Não preciso responder nada, deixei a grana com o tal do Homero. Cinqüenta paus!!"
"Pagou tudo isso por mim?"
"Não foi por você, paguei por qualquer prostituta" – Ela riu.
"Fique sabendo, mocinho, que não sou prostituta. Já viu prostituta num lugar como esse? Sujo, fedido" – Ela pega o cigarro, volta a fumar – "Sou puta mesmo, outra categoria"
.
Naquele dia não entendia a conversa, para mim tinha passado a hora de acontecer alguma coisa com aquela mulher. Ela, que parecia bem mais velha do que eu, deveria saber disso. No entanto, mais tarde fui entender o que ela queria dizer.
.
"Você tem uma namoradinha?"
"Tenho. Quer dizer. Tinha" – Lembrei que tinha acabado de brigar com Fernanda.
"Não devia ter brigado com ela"
"Nós brigamos e você não tem nada com isso"
"Vamos fazer assim, vou devolver o seu dinheiro. Você volta para casa e pensa um pouco no que está fazendo"
"Não quero meu dinheiro de volta"
.
Homero bate na porta. Pelo visto eles não queriam que um menor ficasse muito tempo naquele lugar. Fui convidado a me retirar, voltar numa outra época e em uma outra situação. No corredor Homero sugere outra mulher, disse que Bianca não gostava mesmo de iniciantes. Bianca era o nome da garota, que naquela época parecia muito mais velha do que eu. Na verdade tinha vinte anos. Eu resolvi que aquela hora não era minha, voltei para casa e mais tarde fiz as pazes com Fernanda.
.
Nesse momento estou no apartamento, pensando na vida. Por momentos fiquei curioso em saber como Bianca estava.

.
.
.
13
.
A rua parecia uma fotografia velha da minha memória. Quase nada mudou naquela rua de paralelepípedos. Nem bordéis, nem os homens cheirando perfume barato. Voltei para o mesmo lugar, vinte anos depois. Quem eu queria encontrar ali? Bianca? Qual o motivo? Nenhum. Não há motivo nenhum. Na verdade, razão nenhuma nesse momento da minha vida pode ser justificada. Fiquei com vontade de rever a pessoa que me ajudou, só isso. Bom, ela não me ajudou, só não quis transar comigo. Lembrei de uma história que ficou inacabada no passado, queria saber como ela terminaria.
.
Chego no prédio, ele não é mais verde limão. Na verdade não tem nenhuma cor definida. Está todo pichado com reboco caído. Subo as escadas, lembro perfeitamente do dia que vim aqui pela primeira vez. Na minha frente Homero. Ele agora é um senhor de cabelo branco, uma enorme barriga. O sorriso continua dourado. O portão de ferro continua fechado, a cadeira onde ele está sentado não é a mesma.
.
"Estou procurando a Bianca"
"Bianca? É da polícia?"
"Não, sou um amigo"
"Nunca vi você aqui"
"Sou um amigo de Paranapiacaba" - Lembrei da conversa que tive com Bianca. Ela me disse onde tinha nascido.
"É parente?"
"Não"
"Ela não gostava de receber os parentes"
"Ela pode me atender?"
"Ela morreu"
"Não fiquei sabendo. É uma pena"
"A Soraia está ai"
"Soraia?"
"A filha de Bianca"
.
Resolvi conhecer Soraia. Passei pelos corredores novamente, parei no mesmo quarto. A mesma cena passando pela minha cabeça. Tudo era muito igual, as luzes, o cheiro e a pessoas que freqüentam o lugar. Em quase vinte anos, nada mudou. Entro no quarto, uma garota está deitada na cama. Ela me olha entrando, e por algum motivo fica surpresa; se assusta. Pega o lençol, coloca sobre o corpo, ficou envergonhada. O rosto branco totalmente corado. Não parecia ser uma coisa natural para uma prostituta, ficar envergonhada com a nudez. Eu dou dois passos para trás, espero.
. (Pode copiar, mas seria legal dizer que o texto é de Sérgio Oliveira)
"Pode entrar, pensei que fosse outra pessoa"
.
Eu entro, fecho a porta. Digo que acertei os detalhes com Homero, e que poderia ficar ali por algumas horas. Só cliente especial podia utilizar tanto tempo com algumas mulheres. Eu estava mentindo, na verdade não era especial. Sento-me na beira da cama, ela parece ainda corada. Pergunto se ela está bem, se não quer me atender. Ela sorri, parece ser coisa da vida. Um abraço longo, depois transamos. Ela não fumava, isso podia ser percebido pelo ar daquele quarto. Em vários momentos pensei na Fernanda, mas me ative mesmo era no corpo daquela garota. Pegamos no sono, leve e rápido. O bastante para recuperar as forças e a vontade de ir embora.
.
"Eu conheci sua mãe" – Eu dizendo enquanto colocava a blusa.
"Quer dizer alguma coisa? Não parece ser novidade algum homem conhecer minha mãe"
"Entrei nesse quarto, ficamos nos olhando. Nada aconteceu" – Ela se manteve em silêncio – "Só queria a oportunidade de terminar o que havia começado"
.
.
.
14
.
Chego no apartamento e todos parecem estar preocupados com meu sumiço. Eu digo que andei fazendo algumas coisas pela cidade. Todos tinham motivos para se preocuparem, eu estava doente. Um desmaio qualquer na rua, um atropelamento. Eu tentei não dizer nada sobre os exames, mas parecia que todos sabiam o que estava acontecendo comigo. Digo que vou tomar um banho, eles estão na mesa comendo. Leo, Luisa e Vanessa; uma outra amiga. Tomo o banho, tiro o cheiro que estava impregnado no corpo. Foi bom estar com Soraia, não precisei dizer nada; nem sobre minha saúde nem sobre os meus sentimentos.
.
Naquele momento estava me sentindo frágil. No chuveiro penso na vida, nos amigos que deixei. Quantos amigos eu deixei escapar? O tempo passa, impiedoso. Hoje nem preciso de segredos, posso contar qualquer coisa. Ninguém quer saber nossos segredos. E os defeitos? Sei de todos os meus defeitos. Só o tempo mesmo para me corrigir todos nossos defeitos. Não haverá tempo para eu me recuperar, morrerei com todos eles. Eu amei muitas pessoas, mas quantas ainda me amam? Talvez eu não consiga lembrar, mas é provável que em alguma crise da minha vida tenha pensado em suicídio. Bobagem, nunca pensei em suicídio; mas sei que várias pessoas sucumbiram nesses anos. Onde elas estão? Os fracassados?
.
Saio do chuveiro. Digo para todos meu segredo, o resultado dos exames. Eles me olham assustados, sabiam da verdade mas não queriam se conformar. Luisa chora, Leo também está com os olhos vermelhos. Até mesmo Vanessa, que não me conhecia muito bem, manteve-se calada durante a revelação. Todos ficam me olhando, eu sento no sofá. Pego uma taça de vinho, bebo um gole. Ninguém pisca, ninguém respira. Digo que estou feliz, que fiz uma coisa muito interessante. Eles parecem não querer saber mais de nada. Não conto sobre Bianca, nem sobre Soraia. Sento no sofá, eles me olham ""Descobri que Bonequinha de Luxo tem um beijo maravilhoso". Luisa começa a chorar.
.
Mais uma vez a dor de cabeça. Fazia tempo que ela não aparecia. Geralmente era seguido de um pequeno desmaio. Eu me levanto, digo que estou cansando da conversa. Todos entendem minha situação. Vou para o quarto, tranco a porta. Abro as janelas. Um vento frio, mas gostoso. Queria ficar a noite inteira olhando para as estrelas. Como eu queria ver um ser de outro planeta, um bicho qualquer parando bem na minha frente. Seria demais, mas não aconteceu. Penso na Fernanda, ela estaria casando no final de semana. Ela tem todas as coisas, que um dia eu sonhei. Queria entrar na igreja, na hora daquela pergunta clássica. "Sim, eu tenho alguma coisa contra o casamento". Todos me olhariam assustados. Nessa hora eu não posso desmaiar, eu penso. Seria muito engraçado e trágico. Na janela, olhando para a noite terminando, chorei mais uma vez.
.
Há rumores fortes que a capa da Banda do Sargento é o próprio velório de Paul. Isso foi desmentido inúmeras vezes pela banda. E outra capa, do disco Abbey Road, onde os artistas atravessam pela faixa de segurança de uma rua perto do estúdio onde gravavam, deu mais argumentos para os criadores da lenda. Paul está morto na cabeça de Leo. Eu não tenho como dizer que a história não é fantástica. Na minha cabeça eu também estou morto, mas não há nenhuma capa de disco ou fotografia que possa dizer isso para o futuro. Quem sou eu, afinal?
Saio do quarto correndo, grito por Luisa. Ela está sentada no sofá, com Leo. Vanessa está do outro lado, dormindo.
.
"Cadê aquela máquina fotográfica?"
.
.
.
.

Nenhum comentário: