quinta-feira, 28 de junho de 2007

O MENOR DOS ENCANTOS - Capítulos 15, 16 e 17

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15
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Domingo. Um dia complicado para mim. Fernanda vai se casar com Camilo. Eu não fui convidado para a cerimônia, nem iria caso recebe tivesse recebido o convite. Leo e Luisa sabem que estou triste por isso, pelo casamento. Evitam falar qualquer coisa. Estou no sofá enquanto ela arruma o cabelo, ele ajeita a gravata. Fico mudando de canal, não havia nenhum programa que pudesse me fazer sentir melhor. Eles saem, eu fico pior ainda. Um sentimento triste, de arrependimento, de solidão. Saio do apartamento, era pior ficar sozinho naquele momento. Por momentos pensei em ir à igreja, só para saber como seria se eu estivesse no lugar do noivo.
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Chego antes de Luisa e Leo na Igreja. Tento me misturar com outros convidados, estão preocupados com o horário e o atraso da noiva. Eu me afasto, fico bem longe da porta. Ninguém pode me ver. Todos entram, somente alguns homens ficam do lado de fora. Estão fumando. Um carro preto chega, deve ser de Fernanda. Eu saio do meu esconderijo. Não sabia que palavras usar naquele momento. Queria apenas olhar para Fernanda. Corro em direção ao carro, entro pela outra porta. Ela se assusta, o motorista também. Ela se recupera, o motorista continua com cara de assustado. Fernanda diz para o motorista que está tudo bem.
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"Queria gritar na Igreja que sou contra o casamento" – Eu dizendo, meio ofegante.
"...."
"Entrar de repente, quando o padre perguntar se alguém é contra"
"Você não precisa fazer isso, vou com você para onde quiser"
(Cópia desse texto para fins comerciais é crime. Favor respeite os direitos autorais)
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O motorista levanta o vidro. Eu e Fernanda nos beijamos. Olhares carinhosos e seguros. Eu tiro dela aquela pesada roupa, ela não se esquiva. Meu segredo vai se revelando em cada beijo, a cada olhar. Eu estou doente, não podemos ficar juntos. Ela parece não ligar para minhas palavras. Realmente eram inócuas diante dos acontecimentos, da paixão e da verdade. O motorista sai do carro.
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Nossos corpos cansados, jogados no banco do carro. Não queria deixar minha vida sem antes dizer tudo que sentia por Fernanda. Ela sabia que eu estava doente, não se importou quando eu coloquei minha roupa e sai do carro. Caminhei para dentro da Igreja, sem que ninguém percebesse minha presença. Camilo estava nervoso, irritado com a demora de Fernanda. Eu me sento do lado esquerdo da igreja, sinto que poderia estar casando com Fernanda, seríamos felizes. Mas a escolha de Fernanda não poderia ser melhor. O noivo continua impaciente, Fernanda tenta se arrumar de novo dentro do carro.
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Saio antes de terminar a cerimônia, era possível que alguém me reconhecesse e causasse um transtorno para todo mundo. Caminho pela rua, uma mistura de alegria; por Fernanda falar coisas tão legais sobre mim. E ao mesmo tempo uma tristeza enorme, pois não poderia completar um dos maiores sonhos. Caminho sem direção, às vezes é bom fazer coisas que nunca pensamos. A chuva de verão começa, eu choro de alegria com a possibilidade de me molhar pela última vez. Nunca dei valor para essas coisas pequenas, mas elas são ótimos ingredientes para nossa felicidade.
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Entro num bar qualquer, tenho caminhado procurando esquecer da minha vida. Eu precisava mesmo é lembrar das coisas, possuir e dominar tudo que pudesse. Penso, pouco tempo. Todos nós temos pouco tempo para conseguir tudo que sonhamos. Bebo uma cerveja, escuto um sujeito de barba cantar músicas no palco. Sou o único que aplaude o desafino, o único naquele bar que se diverte com uma coisa tão banal. Todos me olham como se eu fosse o sujeito mais estranho mundo. Eu vejo todos como se estivessem mortos há muito tempo.
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Leo e Luisa não se conformaram quando disse que estive na Igreja vendo Fernanda casar. Não contei mais nada, algumas coisas eram ótimas para se manter em segredo.

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16
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Acordo pior. Os meus últimos dias foram péssimos. A dor de cabeça aumenta e não existia nada que pudéssemos fazer. Os remédios não fariam efeito, a internação era perda de tempo. Eu me remexo na cama, querendo achar uma posição onde a dor não me incomodasse. Do mesmo modo que ela chegava, ia embora. Levantei e fui tomar o café da manhã com Leo e Luisa. Ela continua não acreditando que eu fui até a Igreja, e que conversei com Fernanda dentro do carro. Pior ainda se falasse tudo que aconteceu. Que descobrimos um amor ainda mais forte dentro de nós. Continuei na mesa, com um sorriso de alegria.
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"Bebel estava linda naquele vestido de noiva"
"Também achei" – Conversando enquanto comia um pedaço de mamão.
"Pare com brincadeira, você não estava lá"
"Não acredita em mim? O vestido não tinha calda"
"Continua"
"Camilo estava parecendo um bocó"
"Bocó?"
"Aquela roupinha, verde claro. Um horror"
"Desde quando entende de moda?"
"Não entendo, mas agora não duvida mais que eu fui até a Igreja"
"Leo poderia ter dito essas coisas para você"
"Não estou mentindo"
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A dor vai embora, depois volta. Preciso colocar o pé na água do mar, eu penso. Lembrei que fiz uma lista na cabeça das coisas que queria fazer antes de morrer. Estava acostumado com essas coisas, Leo adorava relacionar coisas, criar discussão. Eu bem que poderia perguntar para eles o que fariam de suas vidas se só lhes restasse um dia. Mas o assunto ficou mórbido, quase sombrio. Não era possível discutir aquilo sabendo que eu estava vivendo a situação e não era uma simples especulação.
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Curiosamente Fernanda era chamada de Bebel. O apelido acabou chegando ao ouvido das pessoas mais chegadas, como era o caso de Luisa. Eu não costumava chamá-la de Bebel. Luisa dizia que a lei dos opostos era comprovada na minha relação com Fernanda. Desde pequeno, quando nos conhecemos na rua entre uma brincadeira e outra, até os dias finais da minha vida; sempre fomos opostos. Eu e Fernanda. Ela tinha olhos castanhos claros, os meus eram escuros. Ela tinha uma pele muito branca, eu não. As diferenças não ficavam somente na parte física, éramos pessoas diferentes em quase tudo.
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"Isso que dá graça no relacionamento" – Luisa dizendo numa conversa.
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Chego no apartamento de Fernanda, eu precisa dizer algumas coisas. Estava engasgado, uma coisa no peito me remoendo de dor, de medo e da sensação de perda. Apesar do casamento ter acontecido no Sábado passado, sabia que a viagem do casal estava marcada apenas para o final do mês. Camilo não estaria em São Paulo nos próximos três dias, Fernanda mesmo me contou esses detalhes no dia do seu casamento.
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Ela parecia estar me esperando. O apartamento onde ela está agora será vendido, isso me trazia certa angústia, moramos naquele lugar por alguns meses. Ela me atende, entro. Ela está arrumando as malas, eu a acompanho até o quarto. Ela diz como estão os preparativos para a lua-de-mel, não tocamos no assunto que aconteceu antes do casamento. Entro no quarto, tudo está encaixotado.
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"Ficarei com saudade daqui. Vivemos felizes, não é?" – Ela dobrando algumas peças.
"Sim" – Eu seguro em sua mão - "Vou me lembrar sempre de você"
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17
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No restaurante, ela chega e procura a reserva em meu nome. Eu tinha marcado na noite anterior, conforme combinado. Por algum motivo que não me lembro, estava atrasado para o encontro. O garçom chega, ela pede alguma coisa para beber, diz que está esperando uma pessoa chegar para pedir o prato principal. Estava chovendo, deixo minha roupa molhada no carro. Sempre carregava alguma coisa limpa no carro, coisas imprevisíveis podem acontecer sempre. Entro no restaurante.
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"Demorei, desculpe. Isso não acontece sempre"
"Cheguei agora também" – Eu sabia que Camila estava mentindo.
"Como está nossa filha?"
"Ela está bem, sempre pergunta de você" – Mais uma vez eu sei que Camila está mentindo.
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O garçom chega novamente perto da mesa, quer saber do pedido. Eu digo para Camila que estou sem fome, mas vou acompanhá-la caso queira jantar. Ela pede mais uma bebida. Segundos depois um sujeito em nossa frente, manuseando taças, açúcar e garrafas coloridas. Eu queria fumar, mas o local não era apropriado.
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"Queria vê-la"
"Sempre disse para você aparecer em casa, que todos estão esperando você" – Toma um gole da bebida, coloca o copo na mesa – "Mas você parece não ter tempo"
"Ela recebeu o presente que mandei?"
"Presente?! Merda! Ela não precisa de presente, precisa de você" – Eu abaixo a cabeça, parece que estou errado.
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Camila foi um caso que aconteceu há doze anos. Era mais um dos intervalos intermináveis de briga com Fernanda. Ela ficou grávida, mas nunca me quiseram na família, diziam que ela era muito nova para ter um filho. Ela tinha acabado de completar dezessete anos. Um dia, Camila disse que eu nunca mais devia procurá-la, que o pai estava pensando em mandá-la para uma clínica. Por quase uma década eu pensei que nosso filho não tivesse nascido.
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Onze anos mais tarde, por acaso, nos encontramos novamente. Ela era amiga de Luisa, faziam eventos juntas. Fiquei sabendo que Camila tinha uma filha, com o nome de Cíntia. Não foi difícil arrancar-lhe a verdade, de que Cíntia era minha filha. Ela argumentou, criou uma história tão confusa, que ao mesmo tempo denunciava sua culpa. Camila não queria se casar comigo, também não queria fazer nada contra uma criança indefesa. Inventou uma história para que eu me afastasse. Foi exatamente isso que aconteceu. Garçom mais uma vez interrompe meu raciocínio.
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"Como pode pedir minha presença, assim? Foi você quem escondeu minha filha durante tanto tempo!"
"Tudo bem, eu errei. Mas você podia fazer uma força para consertar as coisas"
"Estou tentando me aproximar, você sabe disso"
"Daqui dois meses ela vai fazer doze anos. Doze anos, ouviu? Não me apareça com uma boneca"
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Era verdade, apesar do convite, nunca tinha aparecido para saber como era minha filha. Era muito difícil para mim, aparecer do nada, querer o carinho de uma filha que nunca tinha me visto. Não me conhecia, portanto. Amor não se constrói desse modo, tenho certeza. Camila não conseguia entender minha aflição. E me cobrava como se eu fosse o grande culpado.
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Ninguém sabia minha história, apenas Fernanda. Agora, que meus dias estão chegando. Talvez precise fazer alguma coisa. Preciso morrer sem essa culpa. Mas como saber a resposta: quem vai se magoar mais com minha aproximação? A filha encontra o pai, mas ele morre? Ou o pai que vai morrer e não é perdoado pela filha?
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(Cópia desse texto para fins comerciais é crime. Favor respeite os direitos autorais)
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2 comentários:

Neisa Fontes disse...

Vou brincar de revisora!!!
Você "comeu 2 letrinhas no Cap 16 parágrafo:
Chego no apartamento de Fernanda, eu precisaVA dizer algumas coisas.

Sérgio Oliveira disse...

Escapou