quinta-feira, 18 de outubro de 2007

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MÃO QUE ESCOLHE O CRIME
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Caminho lentamente pela rua, ela está vazia. Não tenho menor vontade de chegar ao meu destino, poderia desistir agora mesmo, mas é tarde para isso. Tudo está calculado na minha cabeça. Chego. A casa parece a mesma que eu imaginava. Aperto a campainha. Não podia ficar pensando muito, corria o risco de fugir daquele lugar, abandonar o plano. Toco mais uma vez, uma senhora atende. Tem uns setenta anos, está num vestido azul claro. Seus olhos têm um fundo branco diferente das outras mulheres, mas não fiquei impressionado apenas com isso. Ela parecia me conhecer de algum lugar; sabia exatamente o que eu estava fazendo ali. Ela caminha com dificuldade em minha direção, diz que quem eu estou procurando não mora mais naquele lugar.
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Ela tem razão, mesmo sem eu saber como, ela tem razão. Quem eu procuro deve ter uns vinte e poucos anos. Agradeço, fico de costa para a velha, como quem está indo embora satisfeito com a resposta. Paro, volto para o mesmo lugar. A velha continua olhando para mim, sem pressa nenhuma. Talvez não tivesse muito que fazer dentro da casa. Ela continua a conversa, dizendo que a menina que morava naquela casa está a poucos metros dali, numa casa verde. Tento inutilmente mais detalhes, ela não ajuda muito. Parecia mesmo só saber das coisas desnecessárias. Espero não saber o que eu estou fazendo aqui nesse lugar. Mais uma vez agradeço. Vou embora pelo caminho indicado pela velha.
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Uma casa verde na próxima rua. Repito na mente a informação da mulher. Quantas casas verdes podem existir nesse bairro? Vou andando, prestando atenção em todos os detalhes que foram possíveis arrancar da velha. Madeleine tem mesmo vinte e dois anos, como eu suspeitava. Seus cabelos devem ser castanhos claros, seus olhos sempre foram e serão tristes. Não era alta, tinha um sorriso simpático. Mas não era de conversar muito. Uma casa verde, eu toco a campainha. Ninguém atende. Um velho sentado numa cadeira de palha, do outro lado da rua, diz que não há ninguém na casa.
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"Você sabe se aqui é a casa de Madeleine?"
"Não sei"
"Uma menina baixa, com cabelos lisos e castanhos"
"Mora uma menina, mas não sei dizer se é baixa" – O velho respondendo com certa dificuldade. Continuamos a conversa daquele modo, eu de um lado da rua e ele do outro.
"Vou esperar aqui, talvez ela não demore".
"Vai demorar, tenho certeza".
"Como sabe?"
"Está no colégio agora. Ela dá aula numa escola aqui perto"
"Disse que não conhecia Madeleine"
"Não sei se a professora se chama Madeleine. Só sei que tem cabelos lisos castanhos".
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Tento abrir a porta e para minha surpresa ela não estava trancada. Quem pode deixar a casa desse jeito em tempos tão violentos? Posso ser um sujeito de bem, mas bem que poderia ser um ladrão qualquer. Entro na casa gritando pelo nome de Madeleine. Não havia ninguém, agora tinha absoluta certeza. Na sala um sofá vermelho de couro, outro azul claro. Não combinavam. Algumas coisas espalhadas no tapete, livros e revistas. Leon Trotsky espalhado no chão. Sento no sofá.
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Ela está escrevendo alguma coisa, acho que uma pesquisa. Pego um dos textos e dou uma lida. Algumas pessoas conseguem determinadas habilidades que não sabemos de onde vêm. Qual seria a minha habilidade? Quem sabe escrever um livro sobre um assunto que eu nem sei ao menos qual é. Quem sabe suportar viver num mundo cheio de vingança? A porta se abre.
Continua...